Exemplo de Opinião Públicada nos Media sobre o Património
Por que é que a Baixa vem abaixo?
Catarina Martins, Docente da Universidade de Coimbra
"Em 28 de Dezembro de 2006, Coimbra acordava sobressaltada com um alerta declarado pelo presidente da Câmara, dando aos moradores da Rua Direita e imediações 48 horas para abandonar casas e estabelecimentos comerciais por risco de derrocada. A queda de dois prédios numa outra zona da Baixa, pouco tempo antes, viera a calhar. A Baixa estava a cair! Através de um pânico suscitado a preceito, a autarquia lançava uma cortina de fumo sobre a situação da Baixa e a intervenção profundamente contestável que, com a Metro Mondego (MM), preparava há largos meses.
Tratava-se, na realidade, de legitimar as demolições a levar a cabo pela MM para abrir o canal do metro de superfície, operação que rapidamente se transformou no arrasar de todo um quarteirão. Ora, a Baixa não está a ser arrasada nem por causa do metro, nem porque esteja realmente a cair, apesar do avançado estado de degradação dos prédios. A Baixa vem abaixo porque não há qualquer intenção de evitar que assim aconteça, o que seria possível com as soluções técnicas existentes. A Baixa vem abaixo porque se quer fazer dinheiro em construção e especulação imobiliária, à custa do incontestável valor patrimonial, cultural e sociológico da cidade medieval. O alerta emitido pela Câmara foi, aliás, "encomendado" pela MM com o fim de desalojar imóveis que nada têm a ver com o canal do metro, mas cuja aquisição e demolição parece servir exclusivamente o objectivo de arrecadar mais-valias. Pelo menos metade destes edifícios já foi demolida.
É importante sublinhar que a Baixa necessita urgentemente de uma recuperação e reabilitação de qualidade, segundo os mais elevados padrões internacionalmente reconhecidos. Por isso, a intervenção propositadamente incompetente da MM merece a mais veemente oposição. O que está em marcha não é um processo de reabilitação urbana digno desse nome, mas, aparentemente, a venda daquele espaço aos parceiros privados da conivente SRU, com a cumplicidade da Câmara.
Arrasar, para depois erguer, cópias de fachadas é um conceito ultrapassado de reabilitação urbana, que não interessa a uma cidade que candidata o seu Centro Histórico a Património da Humanidade. Assim se faz tábua rasa do longo trabalho desenvolvido pelo departamento de Arquitectura da Universidade sobre a Baixa e a inserção do metro, projecto de inegável interesse para a cidade. Tristemente, a mesma Universidade ficará ligada à destruição da Baixa através do ITeCons, cujos relatórios legitimam a inaceitável argumentação da MM e da Câmara, segundo a qual se arrasa apenas o que vai cair. Afirma o ITeCons que a contenção dos edifícios é demasiado onerosa, sem ponderar estes custos em relação ao valor patrimonial e cultural da zona, algo que não cabe a especialistas em construção, mas sim à autarquia. Esta pretere um estudo mais amplo encomendado à UC, o SIGURB, bem como o Departamento de Arquitectura, em favor do ITeCons, seguindo uma política inaceitável, do ponto de vista da Universidade, que consiste em seleccionar os pareceres científicos mais úteis à prossecução de políticas municipais previamente decididas.
Numa altura em que a valorização académica de projectos que trazem dinheiro à instituição ameaça tornar-se doutrinária, um facto como este deveria fazer soar o alarme.
Preservar e reabilitar com qualidade é, pois, muito caro. Para a cidade? Ou para os parceiros que se perfilam para a SRU e que, curiosamente, são também associados do ITeCons e os habituais "sócios" da autarquia em todos os projectos de vulto? A Câmara decidiu claramente a favor destes últimos.
catisabel.martins@sapo.pt"
Extraído do Sítio do Jrnal de Notícias: http://jn.sapo.pt/2007/03/23/pais/por_e_a_baixa_abaixo.html a 28 de Maio de 2007
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